Meditação

Domar a mente e trazê-la à compreensão da realidade não é um trabalho fácil. Requer um processo lento e gradual de ouvir e ler explicações sobre a natureza das coisas; pensar e analisar cuidadosamente esta informação; e finalmente transformar a mente através da meditação.

A mente pode ser dividida em consciência sensorial – visão, audição, olfato, paladar, tato – e consciência mental. A consciência mental vai desde as nossas experiências mais grosseiras de ódio ou desejo, por exemplo, até o nível mais sutil da calma e claridade completas. Ela inclui nossos processos intelectuais, nossos sentimentos e emoções, nossa memória e nossos sonhos.

A meditação é uma atividade da consciência mental. Ela envolve uma parte da mente observando, analisando e lidando com o resto da mente. A meditação pode tomar várias formas: concentrar-se unidirecionadamente em um objeto (interno), tentar compreender algum problema pessoal, gerar um amor alegre por toda a humanidade, rezar a um objeto de devoção, ou se comunicar com nossa sabedoria interna. Seu objetivo final é despertar um nível muito sutil de consciência e usá-lo para descobrir a realidade, direta e intuitivamente.

Esta consciência direta e intuitiva de como as coisas são é conhecida como a iluminação, e é o resultado final da prática buddhista. O objetivo de alcançá-la – e a força condutora por trás de toda a prática – é para ajudar os outros a alcançá-la também.

Há muitas técnicas de meditação diferentes e muitas coisas com as quais a mente deve se familiarizar. Entretanto, a meditação não é simplesmente um questão de se sentar uma postura específica ou de respirar de um modo específico; é um estado da mente. Apesar dos melhores resultados geralmente virem quando meditamos em um lugar quieto, podemos meditar enquanto estivermos trabalhando, caminhando, andando de ônibus ou cozinhando um jantar. Um meditador realizou a vacuidade quanto estava cortando madeira e um outro atingiu a concentração unidirecionada enquanto estava limpando a sala de seu professor.

Primeiro, aprendemos a desenvolver o estado meditativo da mente na prática formal, sentada, mas uma vez que estejamos bem nisso, podemos ser mais livres e criativos, e podemos gerar este estado mental a qualquer hora, em qualquer situação. Então, a meditação terá se tornado um meio de vida.

A meditação não é uma coisa estrangeira ou inadequada à mente ocidental. Há diferentes métodos praticados em diferentes culturas, mas todos eles compartilham o princípio comum de que a mente simplesmente se torna familiar com vários aspectos de si mesma. E a mente de cada pessoa, oriental ou ocidental, tem os mesmos elementos básicos e experiências básicas, o mesmo problema básico – e também o mesmo potencial.

A meditação não é um espaçamento ou uma fuga. De fato, é ser totalmente honesto com nós mesmos: dar uma boa olhada no que estamos fazendo e trabalhando, para nos tornarmos mais positivos e úteis, para nós e para os outros. Há tanto aspectos positivos quanto negativos na mente. Os aspectos negativos – nossas desordens mentais ou, literalmente, nossas delusões – incluem a inveja, o ódio, o desejo, o orgulho e coisas assim. Elas surgem de nossa compreensão errônea da realidade e do apego habitual ao modo pelo qual vemos as coisas. Através da meditação, podemos reconhecer nossos erros e ajustar nossa mente para pensar e reagir mais realisticamente, mais honestamente.

A metal, final, a iluminação, é a longo prazo. Mas as meditações feitas com esta meta em mente podem e têm enormes benefícios a curto prazo. Assim que a nossa imagem concreta da realidade se suaviza, desenvolvemos uma auto-imagem mais positiva e realista, e assim ficamos mais relaxados e menos ansiosos. Aprendemos a ter menos expectativas irrealistas das pessoas e coisas ao nosso redor, e portanto encontramos menos desapontamento; os relacionamentos melhoram e a vida se torna mais estável e satisfatória.

Mas lembre-se, os hábitos de toda uma vida são teimosos. Já é muito difícil simplesmente tentar lembrar de nosso ódio e inveja, mas muito menos em fazer um esforço de deter a velha tendência familiar de sentir ou analisar suas causas e seus resultados. Transformar a mente é um processo lento e gradual. É uma questão de liberar a nós mesmos, pouco a pouco, dos padrões instintivos e nocivos de se tornar familiar com os hábitos que necessariamente trazem resultados positivos – para nós e para os outros.

Há muitas técnicas de meditação, mas todas podem ser incluídas em duas categorias: estabilizadoras e analíticas.

Meditação estabilizadora (páli samatha, sânsc. shamatha, chin. chih, jap. shi, tib. shine/ zhi nas) Em geral, este tipo de meditação é usado para desenvolver o que é conhecido como concentração unidirecionada – um pré-requisito para qualquer insight duradouro. O objetivo é concentrar-se sobre um objeto – a respiração, a natureza da própria mente, um conceito, uma imagem visualizada – sem interrupção.

A concentração sem interrupção é o exato oposto do nosso estado comum da mente. Se você se voltar para o seu interior por alguns momentos, perceberá sua mente pulando de uma coisa para outra: um pensamento de algo que você fará depois, um som de fora, um amigo, algo que aconteceu antes, uma sensação física, uma xícara de café. Nunca precisamos dizer para a mente, “Pense!” ou “Sinta!”; ela está sempre ocupada com alguma coisa, apressada, com uma energia própria.

Com essa mente dispersa e descontrolada, há pouca oportunidade de sucesso em qualquer coisa que façamos, seja lembrar um número de telefone, cozinhar uma refeição ou conduzir um trabalho. E certamente, sem uma concentração com sucesso, a meditação não é possível.

A meditação estabilizadora não é fácil, mas é essencial para trazer a mente ao seu controle. Apesar do desenvolvimento da real concentração unidirecionada ser o trabalho dos yogis, não precisamos fazer um retiro nas montanhas para experienciar os benefícios deste tipo de meditação: mesmo no cotidiano da vida urbana, podemos desenvolver uma boa concentração ao fazer, regularmente, dez quinze minutos por dia de meditação estabilizadora – manter a mente focalizada em um único objeto e deixar todos os outros pensamentos irem. Ela traz um senso imediato de espaçosidade e nos permite ver os trabalhos de nossa mente mais claramente, tanto durante a meditação quanto através do resto do dia.

Meditação analítica (vipashyana) (páli vipassana, sânsc. vipashyana, chin. kuan, jap. kan, tib. lamt’hong/ lhag mthong) Este tipo de meditação traz ao jogo o pensamento criativo, intelectual, e é crucial para o nosso desenvolvimento: o primeiro passo para ganhar qualquer insight real é compreender conceitualmente como as coisas são. Esta claridade conceitual se desenvolve na convicção firme que, quando combinada com a meditação estabilizadora, traz o conhecimento direto e intuitivo.

Entretanto, mesmo antes que possamos “ver as coisas como elas são”, precisamos primeiro identificar nossos conceitos errôneos. Usando o pensamento claro, penetrante e analítico, desembaraçamos as complexidades de nossas atitudes e padrões de comportamento. Gradualmente, eliminamos aqueles pensamentos, sentimentos e idéias que causam infelicidade para nós e para os outros, e em seu lugar cultivamos pensamentos, sentimentos e idéias que trazem felicidade.

Deste modo, nos familiarizamos com a realidade, por exemplo, da causa e efeito – que nossas experiências presentes são o resultado de nossas ações passadas e são a causa de nossas experiências futuras – ou com o fato de que todas as coisas não têm uma natureza inerente. Podemos meditar ponto a ponto sobre os benefícios da paciência e as desvantagens da raiva, sobre o valor do desenvolvimento da compaixão, sobre a bondade dos outros, etc.

De certo modo, uma sessão de meditação analítica é uma sessão de estudo intensivo. Porém, o nível do pensamento conceitual que podemos alcançar durante estas meditações é mais sutil e portanto mais potente do que nossos pensamentos durante a vida cotidiana. Como nossos sentidos não estão sendo bombardeados pela frenética percepção usual, somos capazes de nos concentrar mais fortemente e de desenvolvermos uma sensibilidade finamente sintonizada com os trabalhos de nossa mente.

As meditações estabilizadora e analítica são complementares e são muitas vezes usadas em uma sessão. Por exemplo, quando fazemos uma meditação sobre a vacuidade, analisamos o objeto (a vacuidade) usando a informação que ouvimos e lemos, assim como os nossos pensamentos, sentimentos e memórias. Em um certo ponto, surge uma experiência intuitiva ou convicção sobre o objeto. Devemos então parar de pensar e focalizar nossa atenção unidirecionadamente sobre a sensação pelo maior tempo possível. Devemos saturar nossa mente com a experiência. Quando o sentimento enfraquece, podemos tanto continuar a analisar ou então concluir a sessão.

Este método de combinar os dois tipos de meditação faz a mente se tornar una com o objeto de meditação, literalmente. Quanto maior for a nossa concentração, mais profundo será o insight. Precisamos repetir este processo, de novo e de novo, com qualquer coisa que queiramos compreender, para que possamos transformar nosso insight com a experiência real.

As meditações estabilizadoras, como as meditações sobre a respiração, serão melhores se alguma análise hábil for usada. Quando sentamos para meditar, devemos começar examinando nosso estado mental e esclarecendo nossa motivação para fazer a prática, e isto envolve o pensamento analítico. Durante a meditação em si, podemos achar que a concentração é particularmente difícil; nesses momentos, é bom analisarmos o problema por alguns momentos e então recolocarmos a mente sobre a respiração; e às vezes é útil verificarmos a mente durante a meditação, para termos certeza de não estarmos sonhando acordados, mas sim fazendo o que deveria estar sendo feito.

Texto retirado de How to Meditate: A Practical Guide, de McDonald, Kathleen. Trata-se de uma introdução ao tema da meditação.

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