Era a época da “Lua em que os lobos se reúnem”, o frio estava intenso e neve ofuscava os olhos de todos na tribo. Nunca tinha havido um inverno tão rigoroso como aquele, a fome tirava a resistência dos membros da tribo e o choro da morte era uma constante entre eles. Nos outros anos os guerreiros localizavam as manadas dos búfalos e conduziam-na até a beira do precipício e lá derrubavam o número de animais necessários para fornecerem carne e peles para sobreviverem durante o inverno. Mas nesse ano a estória era diferente, pois quando os búfalos chegavam a beira do precipício eles se desviavam da beira e voltavam para o meio da pradaria.
Numa certa manhã, uma jovem levantou cedo para buscar água na beira do rio para seus familiares. Na saída da tenda ela avistou a manada na beira do precipício. Vendo-os, ela exclamou: “Se vocês pulassem e o meu povo tivessem comida suficiente para sobreviver, eu casaria com qualquer um de vocês”. Imediatamente todos começaram a pular.
Que surpresa ela teve ao ver aquela cena. Surpresa maior ela teve quando um deles chegou para ela e disse: “Ok, mocinha, vamos lá”.
“Não!”, reagiu a jovem.
“Como não?” perguntou o búfalo grandalhão. “Você prometeu que casaria com um dos nossos e nos cumprimos a nossa parte. ” Ele a pegou pelo braço e levou-a para a montanha dos búfalos.
Quando os parentes da jovem acordam, perguntam entre si porque a jovem ainda não voltou com a água. O pai da jovem resolve procura-lá e, como um grande guerreiro consegue ver nas pegadas o que se passou com sua filha. Ela volta a sua tenda, pega sua roupa de caça e suas armas e parte em busca da filha.
Depois de seguir as pegadas durante horas, ele para no brejo para descansar e pensar no que irá fazer para encontrar sua filha. E quando surge uma gralha que fica pulando ao seu redor de galho e galho, até que o pai da jovem pergunta:
“Querido pássaro, minha filha foi levada por um búfalo. Você a viu com um desses animais?”
“Sim, a algum tempo eu vi uma bela jovem entre eles”.
“Você poderia ir até lá e avisar para ela que eu estou aqui?”, perguntou o pai.
A gralha levantou vôo e encontrou a jovem entre os búfalos que se encontravam dormindo. Bicando a terra, chega para a jovem e diz:
“Seu pai está te esperando lá no brejo”.
“Há meu querido pai, é muito perigoso ele ficar aqui perto. Fale-lhe que me espere, que eu vou ter com ele quando puder. ” disse a jovem nervosa.
Nesse instante o búfalo grandalhão levanta, arranca um dos chifres e manda:
“Vá buscar água para mim”.
Ela pega o chifre e vai até o brejo onde encontra o pai, que a segura e fala: “Vamos embora”.
“Não posso, ” diz a jovem. “É muito perigoso, deixe que eu vou dar um jeito.”
Ela enche o chifre d’água e volta para o búfalo grandalhão, que bebe e fala: “Fum, fum, sinto cheiro de duas pernas no ar.”
“Não!” fala a jovem.
“Sim!” exclama o búfalo grandalhão, que sai correndo em direção ao brejo com toda manada atrás de si, que mergulham na lama do brejo esmagando o pai da jovem.
Ela chora compulsivamente, e o búfalo grandalhão pergunta o por que daquele choro.
“Era o meu pai.” Responde a jovem.
“Realmente era seu pai que você perdeu, mas nós perdemos todos nossos parentes para alimentar sua tribo.”
“Está certo, mas era meu querido paizinho”. Disse a jovem ainda chorando.
O búfalo grandalhão sente compaixão por ela e diz:
“Se você conseguir ressuscitar o seu pai, eu te deixarei livre para voltar a sua tribo.”
Então ela chamou a gralha e pediu para que ela bicasse a terra para ver se encontrava um pedaço do seu pai. A gralha obedeceu e começou a bicar até encontrar a espinha dorsal do pai da jovem.
“Encontrei algo.” Falou a gralha.
“Eu acho que serve”. Respondeu a jovem. Ela colocou a espinha do pai no chão rasgou um pedaço de seu vestido e colocou sobre a espinha e, começou a cantar um canto mágico. Aos poucos vai surgindo uma figura debaixo do pano parecida com seu pai, ela passa a entoar o canto cada vez mais forte e o pai se ergue do chão para espanto dos búfalos que exclamam:
“Puxa! Por que você não faz o mesmo com o nosso povo? Por que não nos devolve a vida depois de matar-nos? Vamos ensinar a nossa dança para vocês. E após nos abaterem no precipício, dancem essa dança e entoem o seu canto mágico que voltaremos todos os anos para alimentar vocês.”
Lenda Xamânica, contada por Lobo do cerrado.