Fui gerada na noite em que o véu entre os mundos é muito fino. Meu pai morreu algumas luas depois e minha mãe, desolada, foi morar em uma cabana, longe dos lugares vividos em conjunto com o único amor de sua vida.
Nasci duas luas antes do previsto, e embora fosse prematura, vim ao mundo cheia de energia. Nasci na beira do lago próximo à cabana sob a lua e as estrelas, era o primeiro dia de verão, por isso não estava frio. Minha mãe banhou-me no lago e apresentou-me à lua, dando-me o nome de Viviane, filha das fadas.
Cresci nessa cabana rodeada de macieiras, flores, hortas e jardins. Aprendi com minha mãe toda arte de cura, das pedras mágicas e principalmente a enxergar além do que via, a sentir além do que sentia e a ouvir além do que ouvia. Ensinou-me a olhar a natureza de uma forma diferente e a perceber suas forças, sua magia e amar o conhecimento. Mas ela sua hora chegara e ainda criança, resolvi conhecer o mundo.
E assim, de vila em vila, de castelo em castelo pude aprender, a saber, a querer, a ousar e a calar. Ao ficar mais velha, aprendi que, embora ainda tivesse muito que aprender, de nada adiantaria. Para que servia o conhecimento se não aplicado? O que adianta conhecer as ervas e a cura se não as cultivava? O que adianta saber que o mundo precisa de nossa ajuda se apenas sugamos dele, e não damos nada em troca?
Voltei, então, à cabana, Tirei todo o mato que ali estava, refiz as hortas de minha mãe, limpei tudo, construí dutos de água até a horta para irriga-la e puxei um outro duto até a cabana. Nos lugares de maior energia, levantei blocos de pedra e em outros, plantei carvalhos. Ao conseguir preparar as primeiras ervas, comecei a visitar vilas mais próximas para curar as pessoas que precisavam.
Em certo dia, apareceu um homem alto a minha porta, tinha os olhos que pareciam um lago ao entardecer e uma voz muito doce. Disse-me estar impressionado com o sistema de irrigação e com os blocos de pedra, e estar feliz com os pés de carvalho plantados no lugar certo. Começamos uma longa conversa que só foi acabar com sua partida no dia seguinte. Desde então, vinha me visitar de tempos em tempos.
Seu nome era Merlin. O maior dos maiores sábios, Druida e conselheiro do Rei. Quando não estava na corte, vinha à floresta. Amava o Rei, mas a medida em que o tempo passava, ansiava por suas meditações no meio dos pés de carvalho.
Começamos a nos ver freqüentemente. E nos amamos.
Quando ele partia, levava parte de mim com ele, ao voltar, as partes se fundiam em felicidade. Apesar de estar completa ao seu lado, ele se sentia dividido entre os deveres e o amor, e logo partia para ajudar o Rei.
Ficamos juntos e separados por muitos anos, e a cada dia, o amor crescia mais, porém, também crescia a sua culpa, o seu dilema, os seus deveres.
Certo dia, não senti mais a sua presença, e ao expandir o espírito, vi que ele não mais existia neste mundo. Caminhei para o local onde estava seu corpo e pude perceber uma grande energia no local. Compreendi então que ele havia partido por livre e espontânea vontade. E assim como tinha partido, levou consigo minha alma, minha história, minha felicidade. Embora meu corpo tentasse se romper em ódio, o amor era muito maior e de lágrimas fiz seu túmulo, de pedras fiz sua morada.
Hoje, contam muitas histórias. Dizem que o aprisionei em uma árvore depois de ter aprendido tudo o que ele sabia. Que ele me ensinou a arte de encantamento e assim o encantei.
Pois digo que não é justo me condenarem pelo amor que ele sentia por mim, se eu também o amava. E não foi preciso ele me ensinar as artes de encantamento, o próprio destino se encarregou desse trabalho. E não foi magia.
Aprendi muito com ele, mas também lhe ensinei muitas coisas, e muito mais aprendemos juntos. Muitas obras que só carregam o seu nome, também poderiam carregar o meu. Disso, não falam.
E em minha verdade, não fui eu quem o aprisionou, nosso amor o aprisionava. E ao não querer mais continuar preso, ele se libertou, partindo livremente para o outro mundo. Mas não posso partir. Muitas pessoas ainda precisam de mim.