O termo iniciação tem sido bastante mal compreendido dentro do paganismo atual. Confunde-se iniciação com “início”, e muitos julgam que a iniciação seria uma espécie de cerimônia de admissão em certas vertentes do paganismo.
Contrapõe-se a figura do iniciante à do iniciado, o que é correto apenas em parte.
Na realidade, há de se encarar o paganismo, se não como uma religião (já que essa palavra geralmente implica dogma e sistematização), pelo menos como uma forma de manifestação da religiosidade natural do ser humano. Dessa maneira, não faria sentido um ritual específico para que uma pessoa pudesse praticá-lo, da mesma maneira que nenhuma condição é pré-estabelecida para que alguém frequente uma igreja. Por um outro lado, para a maioria das pessoas, adotar essa forma pagã de religiosidade significa romper, de qualquer maneira, com velhos dogmas e sistemas, ou seja: é uma forma de passagem. Já que a própria concepção pagã, como descrevemos no início deste texto, preconiza a marcação das passagens com celebrações específicas, a idéia da existência de uma cerimônia de iniciação (ou várias) estaria portanto justificada.
O que se vê, no entanto, não é isso. A idéia da iniciação, por ser mal compreendida, é comumente descrita como uma espécie de ritual mágico, que pode ser realizado sozinho e que transformaria as pessoas em bruxos. Isso é, pura e simplesmente, uma deturpação da idéia.
O rito de passagem tem suas próprias funções, como vimos: ele marca transições, marca o assumir de novos hábitos e responsabilidades e marca a aceitação de uma pessoa por um determinado grupo. Não se poderia esperar, no entanto, que essas transformações fossem efetivadas sem uma preparação específica. Voltando às sociedades tribais, podemos observar que os jovens, no decorrer de sua vida, são constante e quotidianamente preparados para os momentos de seus ritos de passagem. Apenas como exemplo, o futuro caçador passa por vezes anos acompanhando os grupos de caça, assumindo funções progressivamente mais importantes nesses grupos, até finalmente chegar a abater, sozinho, a sua primeira presa. Quando isso acontece, ele passa pela cerimônia que marca a sua aceitação pelo grupo dos caçadores, tendo provado que é digno de fazer parte desse grupo.
Assim, a idéia de uma cerimônia de iniciação dentro do paganismo, se admitida como necessária, há de ter essas mesmas características. Passar por essa cerimônia significa que o iniciado adquiriu conhecimento e prática, e por isso mesmo tornou-se digno de fazer parte de um grupo. Logo, isso não pode ser nem um acto prévio nem um acto solitário. É incongruente tanto dizer-se que novas atitudes serão assumidas sem que tenhamos nos preparado para isso, quanto nos admitirmos num “grupo” do qual apenas nós fazemos parte.
Texto de Jan Duarte sobre iniciações e ritos de passagem.