Tao

O ideograma chinês Tao, que literalmente traduzido significa caminho, exprime o conceito filosófico de Absoluto. Este conceito traz a idéia de origem, princípio e essência de todas as coisas.

O Absoluto está além do tempo, do espaço e das linguagens. Sendo assim, não pode ser expresso, pois todas as expressões dependem de uma linguagem e de uma referência de tempo e espaço. Da mesma forma que não é possível usar uma régua para medir algo que está além das medidas, também não se pode utilizar a linguagem para descrever algo que está além da linguagem. Ou seja, não é possível usar conceitos ou ferramentas do mundo finito para definir algo que é o próprio infinito. Por isso, Lao Zi diz, no Tao Te Ching: “O caminho que pode ser expresso não é o Caminho constante”.

Todas as linguagens – imagens, símbolos, palavras, idéias, pensamentos, sentimentos, emoções, etc. – são manifestações posteriores à criação do universo. Todas essas manifestações correspondem a formas passageiras, temporárias e impermanentes. Os valores atribuídos às coisas mudam conforme o tempo e o destino. O que hoje é valorizado, considerado nobre, bonito e inovador, amanhã certamente não será mais. Do mesmo modo, um caminho feito numa determinada época, que está sendo seguido hoje, amanhã poderá não ser mais. Então, um caminho que possa ser expresso através da forma não é eterno, não é o Caminho constante.

Nenhuma palavra pode enquadrar a real natureza do Tao. “O nome que pode ser enunciado não é o Nome constante”, ou seja: o Absoluto está além das linguagens. Apesar disso, para que possamos compreender racionalmente a experiência de um mestre que vive na condição Absoluta de ser, torna-se necessário a utilização de nomes, de palavras. Em outra obra de sua autoria – o Tratado da Transparência e da Qualidade Permanente – Lao Zi reforça essa idéia: “O Grande Caminho não tem nome, não tem emoção, não tem forma. Eu não sei seu nome, mas me esforçando, atribuo a ele um nome, chamando-o de Caminho.”

Um caminho só tem sentido e efeito reais quando existem três elementos atuando simultaneamente: o caminhante, o caminho e o ato de caminhar. Um caminho que existe, porém não é trilhado, não tem utilidade. Da mesma forma, caso exista o caminhante, mas não exista o caminho, o caminhante não saberá por onde caminhar. Finalmente, caso exista caminho e caminhante, ainda assim, dependemos de um terceiro elemento: o acto de caminhar. Ou seja, a condição Absoluta de ser só pode ser encontrada através de experiência pessoal; o Absoluto existe somente quando nos integramos a ele. Assim, você pode até compreender racionalmente que existe uma condição anterior ao céu e à terra, fonte criadora de todas as coisas; porém, caso você não a vivencie através da prática de um caminho, ela não existirá para você. Um caminho espiritual precisa ser praticado para que possa ocorrer a realização pessoal do praticante. Por isso, Lao Zi escolheu o termo “caminho” para representar o Absoluto.

Esse caminho é o Caminho do Infinito, ou seja, um caminho que nunca termina. Apesar de um taoísta nunca alcançar a meta final, o próprio fato de estar trilhando um caminho que não termina significa que está vivendo o Caminho do Infinito, ou seja, significa que alcançou seu objetivo espiritual. No Taoísmo, você nunca considera que chegou no final da linha, que sua realização espiritual está terminada. Caso contrário, o caminho trilhado não seria o Caminho Constante.

Pensando a linguagem como palavras, esse Caminho – que está além dela – se compara com o silêncio, com a ausência de palavras. Considerando como linguagem os pensamentos, idéias, intenções, visualizações, formas e símbolos, o além da linguagem seria capaz seria a própria quietude. Esta quietude não deve ser compreendida como ausência de todas as coisas, mas como algo anterior que permite que todas as coisas se manifestem de maneira natural e espontânea. Ou seja, o Caminho é o próprio silêncio, a quietude e o vazio que está por trás e que coexiste com todos os ruídos, manifestações e formas da existência.

Sendo assim, para que possamos encontrar o Caminho, precisamos encontrar o silêncio e a quietude interior, precisamos resgatar uma condição de transparência em relação ao ambiente externo. Não importa em que condição se encontre o ambiente – se é ruidoso, barulhento e agitado, ou um local tranqüilo – não importa onde você esteja ou o que ocorra, o silêncio e a quietude interior devem permanecer inalterados, independente de qualquer factor externo. Para alcançarmos esse verdadeiro silêncio e quietude interior, precisamos possuir um certo grau de tranqüilidade, precisamos estar nos sentindo bem. É impossível alguém encontrar um caminho interior de paz e tranqüilidade se estiver remoendo algum sentimento no seu interior.

No mesmo tratado, em capítulos posteriores, Lao Zi menciona muitas vezes a expressão “ausência de remorso”. Ausência de remorso é exatamente ter paz e tranqüilidade interior. Trata-se de reconhecer de maneira sincera e honesta que, dentro do possível, apesar de todas nossas limitações, é possível se aperfeiçoar e melhorar a vida quotidiana, sempre buscando realizar o melhor para si próprio e para as outras pessoas.

O taoísmo não acredita no discurso de algumas pessoas que afirmam: “Todos estão no meu interior; basta que eu faça por mim, para estar fazendo por todos”. Um caminho espiritual não é um caminho onde se busca benefício exclusivamente pessoal, onde o mundo deixa de ter importância. Por isso, a sinceridade interior é essencial para podermos alcançar o estágio de ausência de remorso. Sinceridade significa fidelidade, lealdade e honestidade, consigo próprio e com os outros.

Então, para retornamos ao Tao, ao Absoluto, temos que primeiro recuperar o nosso bem estar e a nossa paz interior. A partir desta condição, podemos encontrar o silêncio e a quietude interior, abandonando uma identidade egóica e trilhando um caminho está além da forma e das linguagens. E, ao trilhar este caminho, integrando-o a nossa vida diária, vamos nos unindo ao Tao.

Texto da Autoria de Wu Jyh Cherng, Sacerdote Taoísta e Presidente da Sociedade Taoísta do Brasil.

 

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