A Busca de Isis

Escoltada por sete escorpiões venenosos, terrível guarda do corpo, Ísis parte em busca de Osíris e, assim, chegou à cidade de Pa-sin. Mas estava tão cansada e tão esfarrapada, que encontrou hospedagem; uma senhora chegou a fechar-lhe ostensivamente a porta na cara. Os Sete escorpiões consultaram-se entre si sobre a maneira de vingar o insulto à deusa e, um a um, aproximando-se de sua líder, Tefen, injetaram-lhe todo o veneno. Tefen entrou na casa da irreverente senhora, encontrou o seu filho e picou-o. O poder do veneno foi tanto que a casa incendiou-se.

Uma misericordiosa e humilde camponesa, de nome Taha, teve pena daquele rosto petrificado pela dor e acolheu Ísis. A outra, que se chamava Usa, não encontrou uma gota d’água para apagar o incêndio; desesperada e com a criança morrendo nos braços, vagava à procura de ajuda, mas não encontrou ninguém que a socorresse. Então Ísis teve pena dela: ordenou ao veneno que não atuasse e a criança sarou logo, enquanto uma chuva apagava o incêndio.

Ísis continuou a andar entre as inúmeras emboscadas que Seth lhe armava no caminho. Nos arredores de Tânis ficou sabendo, por intermédio de algumas crianças, que o sarcófago havia chegado ao mar por aquele braço do delta do Nilo. Desesperada, Ísis começou a rodear o Mediterrâneo, até chegar a Biblos na Fenícia.

Lá ficou sabendo que o esquife fora parar no meio dos arbustos, os quais, em contato com o corpo divino, transformaram-se numa esplêndida acácia que encerrou o escrínio em seu tronco. O rei de Biblos, ao ver a estranha árvore ordenou que a cortassem para fazer dela uma coluna no seu palácio.

Assim, todas as noites Ísis ia à cidade e transformava-se numa andorinha que esvoaçava em torno da coluna, lançando estrídulos pungentes… mas ninguém parecia notar.

Finalmente, resolveu agir: parou perto da fonte e quando as criadas da rainha foram apanhar água, começou a conversar, depois a penteá-las, a oferecer perfumes… e as criadas ficaram muito contentes. A rainha quis conhecê-la e, em pouco tempo, caiu nas suas graças e foi nomeada governanta do príncipe. Todas as noites, depois de assumir sua forma de andorinha, chorava penosamente.

Uma noite a rainha quis certificar-se de que a criança dormia e entrou em seu quarto, onde se deparou com uma situação aterradora: Ísis amamentava o bebê com a ponta do indicador e seu berço estava rodeado por chamas e, aos pés da cama, Sethe escorpiões montavam guarda. Gritou, perplexa; o rei e os guardas socorreram-na, enquanto Ísis, com um simples sinal, apagava as chamas. A Deusa então revelou-se e repreendeu a rainha; grata pela hospitalidade, tinha decidido tornar o príncipe imortal e, por esta razão, todas as noites o imergia nas chamas purificadoras. Mas infelizmente agora o encanto não fazia mais efeito. Com isso a rainha ficou profundamente entristecida e o rei, sentindo-se honrado por ter acolhido uma Deusa, prometeu-lhe o que quisesse. Ísis, naturalmente, pediu ao rei a grande coluna de onde tirou o escrínio e encheu o tronco de perfumes, envolveu-o com faixas perfumadas e deixou-o ao rei e ao seu povo como lembrança e relíquia preciosa.

Retomou o caminho de volta escoltada por dois filhos do rei, mas não resistiu por muito tempo: ordenou que a caravana fizesse uma parada e abriu a caixa. Quando apareceu o rosto do marido, os seus gritos de dor encheram o ar de um espanto tão grande que um dos filhos do rei ficou louco. Já outro teve menos sorte: Ísis tinha-se inclinado chorando sobre o rosto querido e o jovem a observava, ignorante e curioso. A Deusa percebeu e lançou-lhe um olhar tão forte que ele caiu morto. Chegando ao Egito, escondeu o esquive num lugar solitário, perto de Buto, entre os emaranhados pântanos do Delta que o protegiam contra os perigos.

Mas, por acaso, Seth o encontrou, quando numa noite caçava ao claro da lua. Abriu o ataúde e viu os restos mortais do irmão. Ficou furioso e despedaçou-o, dividindo-o em quatorze partes que foram espalhadas pelo Egipto.

A infeliz Ísis, com o novo suplício, recomeçou a piedosa procura dos restos fúnebres e depois de imensas fadigas conseguiu reconstituí-los (exceto o falo, que fora devorado por um ossirinco – uma espécie de esturjão do Nilo).

Nos lugares em que os restos foram encontrados, surgiram templos, nos quais se realizavam peregrinações chamadas “A procura de Osíris”. Ísis chamou para junto de si a irmã Néftis, Tot e Anúbis. E, com a ciência herdada de Osíris, eles recompuseram o corpo do rei e envidaram todos os esforços para restituir-lhe a vida. Anúbis embalsamou o corpo, que foi enfaixado e recoberto de talismãs; Tot escreveu fórmulas mágicas nas paredes do sepulcro, em Abidos e Néftis construiu uma estátua idêntica ao defunto, colocada junto ao sarcófago. Por fim, Ísis tomou a forma de um falcão presa e pousou-se sobre os despojos, batendo as suas asas até que com o seu ar benfeitor insuflou uma vida renovada em Osíris. O esposo ressuscitado tomou-a e Ísis ficou grávida. Mas mesmo ressuscitado, Osíris não pode reinar mais sobre esta terra e tornou-se rei do Lugar que fica além do Horizonte ocidental, que transformou de um lugar triste e escuro, numa chácara fértil e rica de colheitas.

Realizado, enfim, o rito do sepultamento, Ísis voltou a esconder-se nos pantanais para proteger-se, e principalmente o filho que esperava, contra as vinganças de Seth.

O percurso de Ísis revela a expansão da civilização egípcia pela orla do Mediterrâneo e, ao mesmo tempo, a aquisição de novos conhecimentos dos povos vizinhos. O mito tem grande semelhança com os Mistérios Eléusis, parecendo ser sua origem.

Por outro lado, também reflete a origem da mumificação e sua ideologia de vida pós-morte, bem como novas intrigas palacianas na sucessão do trono e a divisão da unidade egípcia em 14 reinos.


Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *